Como funciona o ritual antropofágico?
A alimentação do homem é um dado cultural que tem uma importância pelo menos igual àquele pura e simplesmente alimentar. Reservando uma atenção particular à relação que encontramos, entre dado cultural e dado alimentar/“natural”, o presente artigo levará em consideração o fato de que estamos falando de um alimento muito particular: trata-se do homem que se torna, dentro de uma estrutura altamente ritualizada, alimento para outro homem, o qual, por sua vez, vive na perspectiva, altamente significativa para sua cultura, de se tornar, um dia, ele mesmo alimento para os outros.
O ritual antropofágico, praticado por diversos povos indígenas, como os Tupinambás, consistia no consumo de carne humana, com diferentes significados e propósitos dependendo da cultura. Era mais do que apenas uma forma de alimentação, envolvendo aspectos religiosos, simbólicos e até mesmo políticos.
Selvagens e insaciáveis comedores de carne que habitam as margens mais extremas da sociedade ocidental: até o fim do século XV o termo “antropófago” manteve inalterado seu próprio significado clássico. Mas, ao encerrar-se o século XV, a extraordinária descoberta dos selvagens do Novo Mundo amplia, de maneira aparentemente ilimitada, tanto as possibilidades das descobertas geográficas, quanto o número dos selvagens, habitantes das novas, imensas fronteiras da cultura.
A prática antropofágica constituía o momento culminante do processo cultural Tupi que encontrava na guerra e na execução ritual dos prisioneiros a meta e o motivo fundamental da própria identidade cultural. Desde o momento da captura do prisioneiro19, as testemunhas dos viajantes, recolhidas por Metraux (1971), evidenciam uma dócil, e no mínimo curiosa, aceitação de um destino que, portanto, configura-se como culturalmente previsto. Montaigne evidencia uma apreciação estética a respeito da guerra tupinambá (exaltando sua “beleza”). Isto, devido às suas características (de “nobreza” e de “generosidade”). Tinha-se a “paixão para o valor” (Remotti, 1996:70), como fundamento exclusivo da guerra. Essa, mais do que uma divisão interétnica, vem a representar o compartilhar de um modelo cultural fundamentalmente unitário que, por ser unitário e, necessariamente, compartilhado, alimentava um sistema de reciprocidade. Em razão disso, se tornam inutilizáveis, hoje, determinadas categorias históricas ocidentais que dão como pressuposto um espaço de decisão, de liberdade, de escolha, como as categorias utilizadas por Montaigne.
Por Geraldo Genetto Pereira
Professor, escritor, blogueiro, youtuber.
Formação: Licenciatura e Mestre em Letras pela UFMG.
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